<EDUCAÇÃO>
Escola leva ouro em criatividade
Xeque-mate nas dificuldades: alunos de cidade pobre são tetra em xadrez
POR RICARDO ALBUQUERQUE, RIO DE JANEIRO
Rio - Tabuleiros improvisados, feitos de cartolina e papelão, e tampinhas de garrafas PET foram suficientes para levar estudantes de uma escola pública ao lugar mais alto do pódio. Em Trajano de Moraes, a 220 quilômetros do Rio, filhos de agricultores deram xeque-mate nas adversidades e se tornaram tetracampeões estaduais de xadrez, por equipes, no feminino, nas Olimpíadas Escolares do Estado do Rio de Janeiro. Orgulhosos, estudantes exibem seus troféus
Filha de lavradores, a estudante pretende ser bicampeã. “Meu sonho é representar o Rio no campeonato nacional”, avisa a estudante do 8º ano.
Entusiasmado com o desempenho da garotada, o técnico e professor de Língua Portuguesa e Educação Física Nilton César Riguetti, 42 anos, sonha cada vez mais alto. “Estamos no meio do mato, em plena zona rural, mas isso não impede a gente fazer da cidade o primeiro polo de xadrez do interior do estado”, diz. Para realizar o sonho, o professor tenta sensibilizar grandes empresas em busca de patrocínio. “Uma prova de que o esporte mudou a rotina da região é que os alunos foram homenageados na Câmara de Vereadores”, completa.
As sucessivas conquistas renderam frutos. Em julho, Furnas Centrais Elétricas inaugurou o Telecentro Comunitário Xeque-Mate, com 10 computadores conectados à Internet por banda larga. A estatal informou que a biblioteca Arca das Letras completa o Furnas Digital, programa voltado para comunidades de baixa renda. “Graças ao jogo vi o mar pela primeira vez na minha vida, quando fui ao Rio representar a minha escola nos Jogos Estudantis”, revela Lucas Malavares da Silva, 11, aluno do Ensino Fundamental.
O apoio também veio do poder público. A prefeitura doou 12 tabuleiros e peças em tamanho oficial. Na escola, três mesas de concreto foram construídas para oferecer mais comodidade aos desportistas. “Tivemos que melhorar as instalações após tantas conquistas”, reconhece Joailda Rezende, diretora do colégio onde estudam 150 alunos — deles, 70% são enxadristas. “Não há como negar que a concentração e o raciocínio lógico dos alunos melhoraram, em particular na interpretação de problemas”, observa o professor de Matemática Joaquim Otávio Figueira.
Em 2005, o governo federal lançou o ‘Xadrez nas Escolas’ com distribuição de kits — tabuleiros, peças e manual de instruções — que nunca chegaram a Trajano de Moraes. O Ministério do Esporte informou que está em formação grupo de trabalho com entidades ligadas ao esporte para lançar plano de desenvolvimento do xadrez como atividade educacional.
Federação põe cidade como sede de torneio
A performance dos estudantes no tabuleiro atraiu a atenção da Federação de Xadrez do Rio de Janeiro (Fexerj). Desde o ano passado, o presidente da entidade, Ricardo Barata, incluiu Trajano de Moraes no calendário oficial, onde é disputada uma das 14 etapas do campeonato do interior: “Trajano e Petrópolis são, hoje, os principais polos do esporte fora da capital”. Segundo Barata, a garotada precisa ser estimulada a pensar. “Temos muitas atividades para exercitar os músculos. Às vezes esquecemos de praticar a ginástica da mente”.
DENTRO DE TRAJANO
MENOR DO ESTADO
Trajano é o menor município do estado, com 592,9 km² e 10 mil habitantes. Pelo Índice Firjan, foi o pior em emprego e renda. Mas foi o 3º que mais evoluiu em educação.
SEM CELULAR
A zona rural de Trajano de Moraes tem cerca de 500 moradores. Na região, a 655 metros de altitude, não há sinal para celular nem telefone público.
INTERNET
A chegada da Internet mudou o hábito dos jovens da Escola Maria Mendonça. A maioria não sabia navegar na rede, tampouco operar um computador. Orkut e MSN já estão entre as ferramentas mais acessadas.